Os inomináveis

por

Helena Pato


Professora, militante antifascista e sindicalista. Fundadora do Movimento Democrático de Mulheres. Autora da página "Antifascistas da Resistência".


fotograma no Memorial aos Presos e Políticos Perseguidos - 2019



Numa sala exígua, com apenas uma mesa e três cadeiras, há pouca luz, muito fumo e uma atmosfera estranha. Dois homens de aspecto boçal estão de pé, em frente a uma jovem que se encontra encostada a uma parede, cambaleante. Sentada à mesa, uma mulher, de braços roliços, ostenta uma grossa pulseira em ouro maciço, traja blusa de seda verde, com grande decote, uma saia justa, curta, e saltos muito altos. Bate com os saltos, em pancadas ritmadas, no chão, para impedir que a jovem feche os olhos. A mulher fuma um cigarro Camel e, enquanto ajeita o peito passando a mão pelo interior do soutien, fala com os homens em voz alta e provoca a jovem, insultando-a com palavrões. De repente, levanta-se e solta uma gargalhada.

Um terceiro homem, de bata branca e estetoscópio pendurado ao pescoço, entra na sala e dirige-se à jovem com modos bruscos:
– Queixas-te de quê? Tens dores ou é só do inchaço?
Ela não respondeu.
– Abre a boca! – ordenou-lhe, de forma intimidante.
O «médico» trocou então algumas palavras com um dos homens e insistiu com ela:
– Tens umas anginecas, mas responde ao que te perguntei: queixas-te de alguma coisa?
– Dores na coluna… Está esmagada… E sinto o sangue a escorrer-me… pinga-me nos pés e no chão… – respondeu, alucinada, visivelmente em sofrimento.
– Onde é que está o sangue? Estás a gozar ou quê? Não vejo sangue nenhum!
– Sinto-o…
– Mais nada? Só isso?
– Aquela parede está a tombar para cá e, se cai, mata-nos a todos…
– Sim senhora, recado dado! Vamos tratar disso… – disse o «médico», enquanto a puxava para junto da janela e, sorrindo, piscava o olho aos presentes.
Observou-lhe os dois olhos, levantou-lhe uma pálpebra e viu-lhe o pulso.
– Dói-te a cabeça?
A jovem não respondeu, desequilibrou-se e um dos homens chegou-lhe uma cadeira.

O «médico» auscultou-a e, de seguida, num canto da sala, falou a sós com um dos indivíduos:
–Mandem-na embora! Levem-na daqui, quanto antes! Já está fora de combate, não adianta mantê-la nisto tal como ela está, e ainda vos causa algum problema…

Meia hora depois, a jovem ia a caminho do Forte de Caxias, num carro celular com três agentes da PIDE: dois homens e uma mulher.

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